Nara Leão na Voz de Fernanda Takai

Julinho Bittencourt


Cresci cercado de gente que ouvia músicas que marcaram a vida de gerações. Uma delas foi uma professora que, além de várias outras, me despertou a paixão pela voz e a música de Nara Leão. Nara da bossa nova, do choro, do Arena Conta Zumbi, Nara tropicalista, Nara do Chico Buarque e, enfim, todas as Naras que habitaram o nosso imaginário. E quem aprende a ouvi-la nunca mais é o mesmo. Imagino que quem teve alguém que o ensinou a ouvir Nara Leão aprendeu a ouvir o Brasil.

E é exatamente isso, para surpresa de muitos, que Fernanda Takai nos mostra no seu primeiro disco solo “Onde Brilham os Olhos Seus”. Com uma delicadeza indizível e a mesma criatividade dos seus discos com o Pato Fu, Fernanda nos dá o melhor dos presentes de final de ano. Entrega de bandeja as múltiplas possibilidades que Nara Leão, na década de 50 em diante, nos abriu. Empresta um novo olhar, jovem e renovado, a um dos maiores símbolos de juventude do Brasil. Em outras palavras, sem grandes invenções, a cantora renova o que sempre foi novo.

Este projeto de Fernanda Takai tem três parceiros que não podem ser esquecidos. Antes de qualquer coisa seu pai, que com suas fitas cassete, transbordou de bom gosto a vida da moça. Depois, a idéia inicial que foi sugerida pelo crítico, compositor e escritor Nelson Motta. Nelsinho enxergou na cantora a Nara Leão do pop-rock e fez a direção artística do disco. No final das contas, tem também o grande mérito de seu parceiro e marido John Ulhoa, produtor musical do projeto. O formato que o músico construiu, tanto nos arranjos quanto nos timbres, é motivo para o seu nome na capa.

O repertório foi construído em cima de 40 canções que Nelson Motta imaginou que ou seriam representativas ou ficariam bem na voz da cantora. Do seu lado, Fernanda ouviu várias outras. O resultado foi o registro de 13 músicas, que atendem os vários requisitos das múltiplas fases de Nara. Entre elas: Diz Que Fui por Aí (Zé Ketti/Hortênsio Rocha), Insensatez (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), Trevo de Quatro Folhas (Dixon/H.Woods/Nilo Sérgio), Luz Negra (Nelson Cavaquinho/Amâncio Cardoso), Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (Roberto e Erasmo Carlos), Descansa Coração (My Foolish Heart) (V.Young/N.Washington/Nelson Motta) e Ta-hi (Joubert de Carvalho).

Os arranjos e interpretações dão a conta. Absolutamente distantes do universo original, são repletos de inovações, andamentos alterados, timbres eletrônicos e vários outros detalhes. A voz de Fernanda é suave, delicada e muito próxima da de Nara. O resultado final é surpreendente e bonito. Nara teria adorado, assim como imagino que a minha professora, ainda antenada a tudo, e todas as pessoas de espírito aberto também devam gostar.

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