Cat Stevens de volta, como Yusuf Islam



Julinho Bittencourt



Ele chocou o mundo ocidental quando, em 1978, depois de vender 40milhões de discos e gravar ao menos um álbum imprescindível para amúsica pop, o "Tea For the Tillerman", se converteu ao islã e abandonou tudo. Virou, aos olhos e ouvidos da parca sabedoria rock androll, mais um doido que sucumbiu, pirou. Foi tratado como se tivessede fato morrido, assim como Hendrix, entalado no próprio vômito, ele, por sua vez, afogado no fanatismo religioso.


O cantor, nascido na Inglaterra em 1948, com o nome de Stephen Demetre Georgiou, filho de um grego-cipriota com uma sueca, depois de viver um período glorioso, chapado e conturbado como Cat Stevens, assumiu a sua terceira e mais duradoura identidade, como Yusuf Islam. A sua extensae incomum trajetória é finalmente desvendada no DVD, disco edocumentário "Yusuf's Café Session".


O show/documentário é, a princípio, um evento de divulgação da suavolta moderada ao pop. Traz a sua primeira apresentação no ReinoUnido, depois de 28 anos, e o pós-lançamento do disco "One More Cup",muito próximo do som que fazia na década de 70. Por trás, no entanto, se escondem algumas verdades bem mais profundase surpreendentes, tanto para os fãs do cantor quanto para quem tem curiosidade pela geopolítica do nosso mundo. Yusuf é hoje, de acordo com interlocutores do Islã, um dos seus mais importantes líderes. É fundador de três escolas muçulmanas em Londres, além de manter aorganização sem fins lucrativos Small Kindness, reconhecida pela ONU,onde presta ajuda aos órfãos de conflitos como Bósnia, Kosovo eIraque.


A volta de Cat/Yusuf é um instrumento pacífico de combate, bem comouma força política, econômica e cultural que se move. Os discos deYusuf e vários outros de intenção religiosa e espiritual são lançadospelo seu próprio selo, a Ya Records. Sua voz diz ao mundo que osmuçulmanos não são os terroristas que o onze de setembro nos ensinou,da mesma forma que os católicos não são os soldados do IRA e tampoucoos judeus se resumem às tropas de Ariel Sharom. Diante disso, a proibição da sua entrada nos EUA, em 2004, pelo departamento de Segurança Interna, após incluí-lo na lista devigilância por atividades provavelmente relacionadas ao terrorismo éuma das cenas mais desconcertantes do documentário. Trata-se, enfim,de um líder espiritual e cantor pacifista diante da sanha americanapreconceituosa.


"Yusuf's Café Session" é, a despeito de um lindo documento, onde omúsico aparece em plena forma, com excelentes arranjos e acompanhantes para belas canções, algumas recentes e outras inéditas, uma mensagem de paz e serenidade. O reencontro de alguém que teve o mundo aos seus pés e desceu do pedestal. Vale, no mínimo, pelo assombroso contraste entre a expressão de arrogância de Cat Stevens, nos idos dos 70, com a humildade de Yusuf Islam dos nossos dias.

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