Uma Senhora que Ainda Canta. E como.




Julinho Bittencourt


As boas coisas da vida só a paixão é capaz de produzir. Um grande
disco, uma grande cantora, belos arranjos e um público ávido são
coisas que só acontecem sob o signo de muito afeto. E isto, muitas
vezes, pode levar anos e anos. Em alguns casos quase um século de
dedicação e amor pelo que se faz.

Este preâmbulo meio pomposo e exagerado tem o objetivo único de
apresentar o disco "Zezé Gonzaga Entre Cordas", recém lançado pelo
selo Biscoito Fino. Dizer, assim como de vários outros, que o disco é
bom, excelente etc é pouco. Não define nem de longe a real dimensão da
obra, o tamanho talento nela contido e o árduo e insistente trabalho
de todos os envolvidos para que se chegasse aonde chegou.

Zezé Gonzaga é uma das lendárias cantoras do rádio, uma das nossas
vozes de ouro que, do final da década de 40 até o final dos anos 70,
deslumbrou público e colegas de profissão com a sua afinação absoluta
e interpretações irretocáveis. Depois de uma pausa de 23 anos, lançou,
em 2002, o disco "Sou Apenas uma Senhora que Ainda Canta". Sua voz
estava intacta. Como num passe de mágica, seu timbre cristalino de
soprano havia feito troça do tempo.

O produtor, diretor artístico da empreitada e apaixonado confesso pela
obra e voz da cantora, Hemínio Bello de Carvalho não se deu por
contente. Apesar do resultado impecável, ele queria mais. Queria um
disco para comemorar os 80 anos da cantora. Bateu na resistência da
própria. Para ela havia dado. Não queria mais saber de gravar.
Hermínio foi então garimpar nos arquivos da TVE do Rio de Janeiro e
recuperou gravações que iam de 1976 até 1994. Juntou a isto outras
feitas em 2002, com o Quarteto Maogani.

Diante de tanto e tão bom material só encontrou um jeito: conceituar
tudo. E ai surgiu "Zezé Entre Cordas", ou seja, Zezé acompanhada por
violões de seis, sete, tenor, bandolins e também as cordas percussivas
do piano do maestro Radamés Gnattali. Estão no disco também, além dos
já citados, Baden Powell, Cristina Braga, Hamilton de Holanda, Hugo
Pilger, João Lyra, Luiz Otávio Braga, Marcus Tardelli, Maurício
Carrilho, Paulo Aragão e Rafael Rabello, que aparece ao seu lado em
faixa multimídia interpretando a canção "Duas Contas", de Garoto.

O disco está ai, graças à coragem e paixão de Hermínio Bello de
Carvalho, da Biscoito Fino e de todos os envolvidos. Não se trata de
indulgência com a idade da cantora ou com a sua história. A comoção
que causa cada uma das faixas de "Entre Cordas" deriva mesmo é do
talento ainda vivo e nítido da cantora, do brilho e da capacidade de
contar cada palavra das canções como se fossem únicas, como se fossem
suas. Não adianta gastar parágrafos. Zezé Gonzaga é um caso raro. Uma
das maiores cantoras do mundo de todos os tempos.

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