O Rei da Cultura


Julinho Bittencourt


O cantor e compositor Péricles Cavalcanti chega ao seu quinto disco, intitulado “O Rei da Cultura”. Todos, incluindo este, são excelentes e repletos de clássicos para poucos. Isto pode parecer um enigma aos incautos, mas se o leitor tem um ouvido mais atento, certamente sabe das obras do dito cujo autor desde sempre. A partir da década de 70 Péricles já tinha canções suas gravadas por Gal Costa (“Quem Nasceu?” e “O Céu e o Som”), além de Caetano (“Elegia” e “Blues”), que conheceu na Bahia e reencontrou em Londres anos depois, quando todos se sentiam longe daqui.

Sua trajetória até chegar neste “O Rei da Cultura” é repleta de novidades e ousadias, canções simples, bonitas e inteligentes, completamente fora de qualquer estrutura vigente. Este recém lançamento não é diferente. Com 14 composições inéditas e 3 regravações, Péricles conta com participações ilustres e entusiasmadas que vão de Rodrigo Amarante, Edgard Scandurra, Cláudio Faria, Luca Raele, Guilherme Kastrup, até o santista integrante do grupo A Barca Lincoln Antonio, Atílio Marciglia, Christianne Neves, Biroska, Pedro Sá e Domenico Lancelotti entre outros.

Tantos nomes podem sugerir um disco com paredes sonoras, grandes instrumentações e coisas do gênero, mas não. O autor segue na sua balada mínima, onde poucos sons (na grande maioria arranjados e executados por ele mesmo) definem um todo completo e repleto, como sempre, de surpresas, bom humor e muita beleza.

A ironia fina misturada ao lirismo é uma das marcas registradas da música de Péricles. A canção “O Galope do Guitarrista Apaixonado”, que dá a largada ao disco é um belo exemplo. Com um trio pesado, a melodia meio índie, meio cordel escancara a paixão do músico duro pelo instrumento objeto do desejo. O contraste explode logo a seguir em “Sou Sua”, repleta de romantismo e contrapontos inusitados de metais e sanfona. Um luxo de arranjo que lembra, lá de longe, Tom Waits.

“Eva e Eu”, que já havia sido gravado pelo co-autor Arnaldo Antunes, segue no mesmo tom e parece dar as tintas do todo. “Manga”, com apenas dois acordes, uma frase melódica curta e uma linda letra resume a mágica da obra de Péricles. Tudo sempre é dito com pouco, muito pouco, quase nada. Dialoga com Mãe West num delicioso samba brejeiro, onde a musa responde: “Seu olho meu bem não me engana, ta certo eu sou boa quando eu sou boa, mas quando eu sou má… eu sou ótima. Além do mais se as garotas boas casam todas de véu, as levadas da breca tem mil luas de mel”.

Dentre muitas tantas, vale destaque o quase tango do nosso Lincoln Antônio, com letra do autor. Metalinguagem de signos e metais, teclados, sanfona e voz inventam no ar da canção um efeito de cores e desenho animado.
No final das contas, entre mortos e feridos tudo é brincadeira com gosto de verdade ou o contrário. E assim, entre essas e outras, doutor Péricles acaba de nos dar outro disco imperdível e pra lá de divertido.

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